Percentis de peso fetal para a população portuguesa

Os pais querem sempre que os seus filhos sejam os maiores, mas fortes, mais inteligentes… Menos na gravidez. Sempre que se afastam da média ficam preocupados, especialmente se o crescimento/peso fetal, for baixo. O problema é que, por definição, metade dos bebés está abaixo da média, pelo que a angústia é frequente e poucas vezes fundamentada.

As curvas nacionais

Percentis de peso para a população Portuguesa
Percentis peso fetal/ao nascimento para ambos os sexos

Recentemente, eu e os meus coautores publicamos curvas de crescimento fetal para o nosso país (ver aqui).

É a maior amostra colhida no nosso país e a única validada desta forma. A importância está em podermos comparar (quando necessário) um peso fetal estimado ou ao nascer com uma população de referência compatível e credível.

Existem centenas de referências deste tipo no mundo inteiro, que diferem substancialmente entre elas, e, sobretudo, dos dados nacionais.

Para que servem?

Na avaliação do crescimento fetal, durante a gravidez, e ao nascimento, um dado é frequentemente calculado/colhido: o peso.

Este peso é comparado com aquilo que se espera para a idade gestacional (semanas de gravidez), de forma a podermos perceber se é adequado. Mas antes de podermos tirar qualquer conclusão, vários aspetos devem ser tidos em consideração .

Estimativa de peso por Ecografia

No caso da estimativa de peso por ecografia, trata-se de um peso estimado com base em parâmetros ecográficos, habitualmente o perímetro cefálico,

HC, BPD
Perímetro cefálico (HC) e diâmetro biparietal (BPD) fetais em ecografia abdominal

diâmetro biparietal (largura da cabeça), perímetro abdominal e comprimento do fémur. Estes parâmetros são usados em uma de dezenas de fórmulas publicadas (mais frequentemente uma de um autor chamado Hadlock) e o resultado é um valor estimado de peso. Este  resultado é naturalmente falível, e o erro associado pode ser verificado nos artigos escritos pelo próprio Hadlock:

  • Cerca de 68% dos fetos cairão dentro da estimativa +- 7,5% (1 erro padrão)
  • Cerca de 95% dos fetos cairão dentro da estimativa +- 15% (2 erros padrão)
erro ecográfico peso fetal
Exemplo de uma estimativa ecográfica do peso fetal de 3000g e representação do erro potencialmente associado

Como exemplo podemos considerar que, 68% das vezes, um recém nascido a quem foi estimado recentemente um peso de 3000g tenha entre 2750g e 3250g ao nascer. Esta diferença poderá chegar aos 450g em 27% adicionais e ultrapassar este valor em 5% dos fetos. Esta é a forma como funciona a fórmula, pelo que não é passível de melhoria, mesmo com muita experiência do ecografista. Vários autores propuseram outros métodos, mas sem melhoria significativa ou aplicabilidade prática.

Ainda assim, isto serve o seu propósito: é um parâmetro dos muitos a avaliar, e não um valor para interpretar cegamente.

O meu bebé tem uma doença por ser leve/pequeno?

Os seres humanos tem o crescimento fetal governado por vários fatores: sexo (rapazes são maiores); herança genética e raça; tamanho (e peso) da mãe; doenças da mãe; paridade (número de filhos anteriores); alimentação (de certa forma relacionada também com peso/obesidade); álcool e tabaco durante a gravidez (tabaco diminui o peso ao nascer em cerca de 5%); altitude (do local onde vive); etc.

Mesmo colhendo todos estes dados (e foram colhidos em vários estudos), é impossível prever o peso da criança. O que é possível é prever um âmbito (intervalo) onde é estatisticamente provável que se encontre esse peso.

Feitio ou defeito?

Todos os bebés têm um potencial de crescimento: um peso que, sem limitações externas, ambientais ou de doença, irão atingir. A dificuldade está em perceber que potencial é este para cada criança, algo que nos ilude enquanto médicos. Porque se trata de perceber que fetos/bebés estão mais pequenos do que deveriam estar, e, por isso mesmo, não se diagnostica só por um valor de peso. Um feto no percentil 1 pode ser perfeitamente saudável, e outro no percentil 50 ter um problema porque deveria manter crescimento no percentil 80 (ou seja, está a crescer “menos” do que deveria).

Fala-se em atraso do crescimento intra uterino, restrição do crescimento intra uterino ou restrição do crescimento fetal (RCF) quando o potencial de crescimento, segundo a interpretação do médico, não foi atingido. É algo que naturalmente assusta os pais e, infelizmente, causa muita angústia em gravidezes também de evolução normal, mas com fetos simplesmente mais pequenos que a maioria…

O que é o percentil

O percentil tem um significado puramente estatístico. O percentil 50, por exemplo, corresponde à mediana, que é o valor que está “no meio”, ou seja, divide a amostra com o mesmo número de indivíduos acima e abaixo desse valor. No caso do peso, aproxima-se bastante da média. Se dizemos que um feto está no percentil 20 do peso, constatamos que a posição numa amostra de fetos com a mesma idade gestacional o colocaria acima de cerca de 20% dos fetos e abaixo dos cerca de 80% restantes.

Portanto, este é apenas um valor estatístico para interpretar e ponderar, não algo com interpretação patológica direta.

Como interpretar o percentil de crescimento/peso fetal

Em muitos casos usa-se o percentil 10 para classificar fetos e bebés como leve para a idade gestacional. Pela descrição acima percebemos que isto significa que se decidiu, arbitrariamente, classificar 10% dos bebés como leves. São, de facto, os 10% mais leves. É também um grupo onde a probabilidade de patologia relacionada com o crescimento aumenta, pelo que faz sentido preocupar-mo-nos mais com esse grupo. No entanto, é importante sublinhar que a maioria (mais de 70%) dos bebés nesse grupo não têm nenhum tipo de problema. São, simplesmente… mais leves do que a maioria. Não podemos achar que 1 em cada 10 bebés tenha problemas!

Dentro das dificuldades já abordadas em definir qual o crescimento ideal para um determinado bebé, um valor arbitrário deste tipo (percentil 10, 5 ou 3) identifica um subconjunto de fetos que pode ser vantajoso avaliar com mais cuidado outros parâmetros ecográficos e/ou situação clínica da gravidez com maior pormenor, porque a probabilidade de doença é, apesar de tudo, maior.

O contexto clínico é de suma importância. Se, em avaliações ao longo do tempo, o percentil desce significativamente (“cruzar” percentis) é também necessária maior atenção, independentemente do percentil em que se encontre no momento. Por outro lado, uma gravidez de evolução normal numa mulher saudável com peso fetal mantido no percentil 5, sem outras alterações, poderá não suscitar cuidados diferentes.

Ainda que, habitualmente, causem maior angústia os pequeninos, o percentil muito grande também está a associado, em alguns casos, a patologia, pelo que os bebés macrossómicos (pesados para a idade gestacional, habitualmente classificados acima do percentil 90) devem suscitar igualmente dúvidas a esclarecer. Culturalmente gostamos de bebés gordinhos, mas isto é também um problema.

A vantagem das curvas nacionais

Agora percebemos que com os percentis pretendemos identificar uma posição específica no universo de indivíduos com as mesmas características e depois interpretá-la, cuidadosamente, no contexto clínico.

A vantagem das curvas nacionais é que o valor que escolhemos é realmente o que encontraremos. Isto é, dado que foram construídas com dados de bebés portugueses, se escolhermos o percentil 5 iremos encontrar sensivelmente 5% dos bebés de um hospital, por exemplo. Outras curvas apresentam valores por vezes muito diferentes, pelo que, em vez de 5% poderemos estar a identificar 2% dos bebés, ou 10%. No primeiro caso, não estaremos a atuar (se for esse o caso) nos 3% de bebés que não foram identificados; no segundo caso, poderemos estar a atuar em situações em que não pretendíamos fazer.

Se queremos o percentil x, temos de ter x%. As curvas nacionais é isso que providenciam.

Para saber mais

Pode consultar o website do artigo: fetalgrowth.med.up.pt 

Aqui pode fazer o download das curvas em .pdf: curvas para a população Portuguesa (não esquecer que a interpretação deve ser feita por médicos)

 

 

O médico que só sabe Medicina nem Medicina sabe

Esta é a máxima do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS). Não poderia rever-me mais nesta ideia em que, ao reduzir a nossa esfera de atuação, perdemos tanto do que nos ajuda a ser melhores.

A motivação

Gosto de construir coisas, produzir, fazer. Acho que os computadores são ferramentas fabulosas quando bem usadas, mas gosto ainda mais de os configurar, montar, reparar. Construir um muro, reparar um televisor, desmontar uma moto ou fazer a revisão do automóvel, escolher uma solução adequada e implementá-la. Metade do prazer está em aprender a fazer. É esta curiosidade que motiva os resultados. Os porquês que tanto se têm em criança e que, infelizmente, se vão perdendo enquanto “crescemos”, ou somos formatados, reduzidos na nossa imaginação.

É também isto que me fascina na medicina. É por isso que sou um profissional realizado. Ajudo pessoas todos os dias, tenho um trabalho entusiasmante porque é difícil, variado, apresenta desafios a toda a hora e, felizmente, grande parte são ultrapassáveis com a suficiente determinação. Tenho a melhor profissão do mundo, simplesmente porque é a que quero e na qual me sinto realizado. Realizado porque posso inclusive usar tudo o que aprendi fora da faculdade para o melhor cuidado dos meus doentes.

Nada com que se aprenda é tempo desperdiçado.