Doação de esperma e inseminação nos centros públicos de PMA

Foi recentemente publicada a regulamentação da revisão da lei da PMA 17/2016, de 20 de junho. Fiz um pequeno comentário aqui. Muitas mulheres (e cidadãos) vêm com agrado esta alteração e a equidade que a mesma transparece. O que a comunicação social não se apercebeu é do problema antigo em relação à doação de gâmetas no SNS, nomeadamente esperma.

O panorama atual das listas de espera para PMA

Nos centros públicos não existe infraestrutura montada para dar resposta ao esperado aumento de procura dos tratamentos em geral. Basta ver as listas de espera para tratamento, que se aproximam de um ano em alguns locais. Resta esperar para ver de que afluência estamos a falar e que impacto terá no panorama atual.

Mas este nem será o maior problema. O maior problema relaciona-se com a capacidade instalada no público para fornecer gâmetas masculinos de dador (esperma) para os tratamentos de casais que dele necessitem (sejam de mulheres ou heterossexuais), ou mulheres sem parceiro.

Como se processa atualmente a doação de gâmetas em Portugal?

Neste momento existe um único centro público que colhe, armazena e utiliza estes gâmetas de dador. Este centro apoia, na medida das suas possibilidades, os restantes centros públicos quando o tratamento passa por doação de gâmetas (esperma e ovócitos). O CHP (CMIN) assumiu este difícil compromisso e contou com pouco apoio até agora. Os tratamentos com doação de gâmetas (especialmente ovócitos) doados tendem a ser muito demorados.

recrutamento de dadores de sémen (esperma)
Campanha Australiana de recrutamento de dadores de esperma

Vários centros privados fazem banco de esperma (e de ovócitos) para uso próprio, outros importam na medida das necessidades para os seus tratamentos. Esta flexibilidade permite uma resposta mais célere às solicitações, que, infelizmente, ainda não existe nos centros públicos.

O problema da falta de dadores de esperma e ovócitos

Tem sido difícil recrutar dadores em Portugal. Pode passar por um problema cultural ou de desconhecimento. Falta de publicitação ou não, é um problema que se arrasta há alguns anos.

Campanha de doação de esperma de uma clínica privada espanhola (Instituto Marqués)
Campanha de doação de esperma de uma clínica privada espanhola

Acresce que vários voluntários não passam ainda o crivo para poderem ser dadores. Isto diminui ainda mais a oferta.

Em Espanha a publicidade tende a ser bastante agressiva. Talvez por isso mais eficaz e permita a exportação destas dádivas.

Campanha de doação de ovócitos de uma clínica privada espanhola
Campanha de doação de ovócitos de uma clínica privada espanhola

Talvez precisemos de algumas campanhas e, sobretudo, de visibilidade sobre este problema no panorama nacional dos media.

Recompensa económica na doação de esperma e ovócitos

A lei proíbe qualquer tipo de recompensa económica aos dadores, tal como qualquer dádiva de tecidos ou células: “é voluntária, altruísta e solidária, não podendo haver, em circunstância alguma, lugar a qualquer compensação económica ou remuneração” (Lei 12/2009)

Isto inclui os gâmetas. É dada no entanto uma compensação proporcional ao incómodo/perda causado pelo ato (despacho 5015/2011). Doação de esperma 0,1 e doação de ovócitos 1,5 do Indexante dos Apoios Sociais (419,22€ em 2016). No caso da doação de esperma, cerca de 41€ por dádiva (colheita), e cerca de 630€ por dádiva de ovócitos.

O que é necessário? Quem pode ser dador?

Homens entre os 18 e 45 anos e mulheres entre os 18 e 34 anos, saudáveis, são candidatos à dádiva. É necessária alguma disponibilidade para comparência para avaliação médica, eventualmente psicológica, e alguns exames.

Existe algum perigo na doação de gâmetas?

É um processo seguro, com poucos riscos (mulher) ou quase nenhum (homem).

A aplicabilidade da inseminação artificial em mulheres sem parceiro/casais de mulheres em centros públicos

Não há dúvida que a lei é clara, e os centros públicos terão de dar resposta aos novos casais/mulheres que querem e podem beneficiar de tratamentos de PMA. No entanto, a curto prazo, muito terá de mudar para que a resposta seja tão pronta quanto se pretende.

Lei 17/2016 da PMA – publicação da regulamentação

Foi hoje publicado o Decreto Regulamentar n.º 6/2016, que coloca em prática as alterações à lei da procriação médica assistida publicadas na lei 17/2016, de 20 de junho.

Injeção intracitoplasmátic de espermatozóide ICSI
ICSI – Ovócito antes de injeção intra-citoplasmática de espermatozóide
Por Dovidena [CC BY-SA 4.0 (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0)]

O que mudou?

A grande alteração é a da garantia de acesso a todas as mulheres a técnicas de PMA. Ou seja, na redação do decreto: “casais de mulheres e a mulheres independentemente de um diagnóstico de infertilidade, do estado civil e da orientação sexual” podem beneficiar de técnicas de procriação medicamente assistida, como inseminação artificial, em centros de PMA públicos e privados.

Como ser referenciada à consulta de PMA?

A orientação para os hospitais públicos será feita como habitualmente, pelo médico de família ou a partir de outra consulta hospitalar. A diferença é que passarão a ser aceites não só casais mas também mulheres sem parceiro ou com parceiro feminino.

Que técnicas de PMA podem ser realizadas?

O acesso às técnicas é o mesmo que até agora estava reservado a casais com infertilidade, bem como as listas de espera. O documento reitera, logicamente, que na ausência de infertilidade, deva ser privilegiada a inseminação artificial.

Então está tudo pronto para que se comece a aplicar a lei 17/2016?

Existe ainda o problema dos dadores de esperma, assunto que já era problemático previamente, nos centros públicos. A procura de esperma de dador aumentará, o que terá de significar alterações no funcionamento dos centros públicos. Ou se aumentará drasticamente a infraestrutura implementada em Portugal (que tem um único banco público de gâmetas) ou se “importará” esperma de outros países, nomeadamente Espanha. O problema é que há atualmente poucos dadores no banco público. Os privados ultrapassam este problema com bancos de gâmetas próprios e/ou importação de gâmetas de outros centros/países.

O aumento da procura de tratamentos de PMA

Este aumento prevê-se, com uma possível afluência inicial dos pedidos de consulta de mulheres que tenham essa decisão já tomada. Tendo em conta que os tratamentos não poderão sofrer discriminação em termos de lista de espera, é de prever que as listas de espera se possam avolumar, pelo menos inicialmente, enquanto os centros de PMA públicos não se redimensionem para esta nova realidade. O tema dos dadores de gâmetas (neste caso masculinos) terá forçosamente um papel crucial nas listas de espera, já que os tratamentos agora regulamentados não se poderão fazer sem um aumento substancial daqueles.

 

 

 

Uma aplicação android? Porque não?

Desde que tinha iniciado os trabalhos, há vários anos, para produzir as curvas de peso fetal/recém nascidos para a população Portuguesa, que tinha definido com os meus colaboradores a facilitação do uso das mesmas como parte integrante dos trabalhos.Várias maneiras de o fazer foram equacionadas e estão em curso, em programas específicos de obstetrícia e ecografia, página web, etc. Surgiu então o desafio de um dos meus coautores para fazer uma app android.

Facilitador de programação android

Eu gosto muito de informática, mas não sou programador… pensei eu. Mas acontece que, para android, um grupo de investigadores do MIT (Massachusetts Institute of Technology) resolveu criar uma forma bem mais fácil de um utilizador sem conhecimento de linguagens de programação produzir uma app de aspeto profissional, democratizando a produção de aplicações à medida para os utilizadores e, até mesmo, comerciais. Chama-se appinventor (http://appinventor.mit.edu) e é uma aplicação para criar aplicações. O preço ainda é melhor – completamente gratuito.

É claro que ainda implica alguma aprendizagem, e com certeza envolve algumas luzes de programação, algoritmos e lógica, mas quem souber o que é um if then else terá dias ao invés de meses de aprendizagem.

A plataforma tem agora um spin off comercial – thunkable (http://thunkable.com/) com uma roupagem mais profissional, mas muito parecida. Nota-se que as aplicações são visualmente um pouco mais polidas e em linha com as guidelines da Google atuais, mas perde alguma compatibilidade com as versões mais antigas de android (mesmo muito antigas, pelo que isto não será um problema). Para já, a plataforma thunkable também é gratuita, e tem a promessa de vir a ser compatível com iOS, o sistema operativo mobile da Apple.

IG calc PT - aplicação para cálculo do percentil de peso fetal e Idade Gestacional
Ecrã principal da aplicação android publicada
thunkable scren - IG calc PT - aplicação android para cálculo do percentil de peso fetal e Idade Gestacional
O mesmo ecrã mostrado acima na página de layout da thunkable
thunkable scren1 blocks
Blocos por detrás do ecrã mostrado acima – aqui se constrói a programação da app

O suporte da comunidade a esta iniciativa, como é habitual nas plataformas open source úteis, é fabuloso. Quase todas as perguntas têm resposta em múltiplos websites de programadores, fóruns, páginas pessoais… Imensos exemplos estão disponíveis, sendo uma questão de perseverança até se concretizar uma app decente.

Não, não dá para fazer tudo, mas dá para fazer aplicações muito complexas. Eu fiquei maravilhado com a possibilidade de testar a aplicação enquanto se constrói, vendo as mudanças em tempo real no smartphone. Para alguém com pouca experiência, a iteração tentativa – erro – tentativa é rapidíssima.

As imagens acima dão um exemplo de uma página com algum nível de complexidade. Envolve cálculos, seleção de ficheiros, identificação de erros de introdução e respetivas notificações. Numa página temos o aspeto gráfico para o utilizador, os componentes e ficheiros que desejamos utilizar. Debaixo do “capot” construímos a lógica das interações com um sistema de blocos de construção que impedem a maioria dos erros de principiante (se não encaixa, é porque não dá).

Abaixo vemos o exemplo de um bloco associado a um botão que, quando pressionado, abre uma página web no navegador predefinido, e parte de um procedimento que calcula a idade gestacional a partir do comprimento crânio caudal medido em ecografia.

thunkable open site block
Este bloco abre o browser na página indicada quando o botão é clicado.
thunkable calc block
Este bloco calcula a idade gestacional a partir do CRL – comprimento crânio caudal, se este estiver preenchido.

E porque não fazer uma app hoje?

A aplicação encontra-se disponível e gratuita para Portugal na Google play store:

Ver aplicação

Alguns screenshots da aplicação:

IG Calc PT página inicial com cálculo de IG
Página inicial com opção de cálculo de IG aberta e gravidez datada por ecografia do 1ºT
IG Calc PT percentil
Exemplo da notificação do significado do valor encontrado para o percentil, depois do cálculo
IG Calc PT página de cálculos adicionais
Página de cálculos adicionais
IG Calc PT página inicial com cálculo IG
Página inicial com opção de cálculo de IG aberta e gravidez datada por data da última menstruação
IG Calc PT página about
Página “acerca de”

 

Treino em laparoscopia | Simulador de laparoscopia

O treino específico com simuladores é fundamental para a melhoria permamente da capacidade técnica do cirurgião. Como fazer um simulador?

Cirurgia Minimamente Invasiva e Laparoscopia

A cirurgia minimamente invasiva tem um lugar muito importante na Ginecologia, tal como em muitas outras especialidades. No caso da ginecologia engloba fundamentalmente a histeroscopia e laparoscopia, técnicas bastante diferentes, mas ambas muito úteis.

Na histeroscopia, (procedimento diagnóstico ou cirúrgico intrauterino a partir da vagina e colo do útero, sem cicatrizes), a maior parte das técnicas cirúrgicas convencionais que esta veio substituir foram completamente abandonadas, dada a sua superioridade. Há pequenos procedimentos cirúrgicos histeroscópicos que podem inclusive ser realizados em consultório, sem anestesia, em poucos minutos, dada a sua acessibilidade e facilidade, com material e treino adequado.

Ilustração esquemática de histeroscopia (By BruceBlaus - Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=44969115)
Ilustração esquemática de histeroscopia
(By BruceBlaus – Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=44969115)

Tempos de recuperação mais curtos, menos dores, resultado estético melhor são algumas das vantagens usuais neste tipo de técnicas. Por vezes as vantagens estendem-se também a melhor exposição (visualização), em locais de difícil acesso e, com isso, melhor precisão cirúrgica.

Ilustração esquemática de cirurgia laparoscópica. (Blausen.com staff. "Blausen gallery 2014". Wikiversity Journal of Medicine. DOI:10.15347/wjm/2014.010. ISSN 20018762)
Ilustração esquemática de cirurgia laparoscópica (Blausen.com staff. “Blausen gallery 2014”. Wikiversity Journal of Medicine. DOI:10.15347/wjm/2014.010. ISSN 20018762)

Uso de simuladores

No entanto, o treino para este tipo de técnicas é específico e tem uma curva de aprendizagem algo mais lenta. Requer muita prática para rapidez de execução e bons resultados. Pelo que o treino é necessário, inicialmente para iniciar a técnica e permitir segurança nos procedimentos com doentes (mesmo nas ajudas a cirurgiões mais experientes) e depois, para aperfeiçoar e desenvolver as capacidades particulares de que as técnicas necessitam.

Na laparoscopia este treino passa pelo uso de simuladores, mais ou menos complexos, em que os cirurgiões desenvolvem e aperfeiçoam as técnicas que usam no dia-a-dia. Habitualmente existem simuladores construídos profissionalmente em cursos específicos e em alguns serviços hospitalares, mas são muito caros para aquisição individual. Como a prática leva à perfeição, e esta é uma área que me interessa muito, construí um simulador de baixo custo que permite o treino e aperfeiçoamento individual em casa (habitualmente a laparoscopia ginecológica envolve dois ou mais cirurgiões).

Como fazer um simulador de laparoscopia?

Foi um projeto realizado há cerca de 5 anos, e nem tudo correu bem à primeira. Algumas soluções não serviram, outras foram mudadas. O resultado final foi no entanto satisfatório e muito funcional.

Caixa de arrumação transformada em doente simulado
Caixa de arrumação transformada em doente simulado

Quando prometi a um colega um simulador igual ao meu, em 2013, resolvi fazer um vídeo para levar a um congresso da área. Com isto poderia ajudar outros cirurgiões que, como eu, acham que é sempre possível aperfeiçoar a destreza cirúrgica e querem fazê-lo também em casa.

base simulador laparoscopia
Base do simulador

A prática das técnicas e coordenação motora necessária à boa performance em laparoscopia, pelo uso regular de um aparelho deste tipo, comprovadamente melhora os resultados cirúrgicos deste conjunto de técnicas avançadas, tão úteis em ginecologia.

Por curiosidade, outras atividades que foram ligadas a boa destreza cirúrgica em endoscopia: tocar um instrumento musical regularmente e jogar videojogos.

De seguida o vídeo, com realização, representação, edição, locução e legendagem por mim (bom, música, parcialmente, também), pelo que me serviu para aprender muito também noutras áreas. A música é da Tuna Académica de Biomédicas, do seu primeiro CD.

Este vídeo foi apresentado no ESGE 22nd annual congress com o código V05.10, em 18/10/2013.

Percentis de peso fetal para a população portuguesa

Os pais querem sempre que os seus filhos sejam os maiores, mas fortes, mais inteligentes… Menos na gravidez. Sempre que se afastam da média ficam preocupados, especialmente se o crescimento/peso fetal, for baixo. O problema é que, por definição, metade dos bebés está abaixo da média, pelo que a angústia é frequente e poucas vezes fundamentada.

As curvas nacionais

Percentis de peso para a população Portuguesa
Percentis peso fetal/ao nascimento para ambos os sexos

Recentemente, eu e os meus coautores publicamos curvas de crescimento fetal para o nosso país (ver aqui).

É a maior amostra colhida no nosso país e a única validada desta forma. A importância está em podermos comparar (quando necessário) um peso fetal estimado ou ao nascer com uma população de referência compatível e credível.

Existem centenas de referências deste tipo no mundo inteiro, que diferem substancialmente entre elas, e, sobretudo, dos dados nacionais.

Para que servem?

Na avaliação do crescimento fetal, durante a gravidez, e ao nascimento, um dado é frequentemente calculado/colhido: o peso.

Este peso é comparado com aquilo que se espera para a idade gestacional (semanas de gravidez), de forma a podermos perceber se é adequado. Mas antes de podermos tirar qualquer conclusão, vários aspetos devem ser tidos em consideração .

Estimativa de peso por Ecografia

No caso da estimativa de peso por ecografia, trata-se de um peso estimado com base em parâmetros ecográficos, habitualmente o perímetro cefálico,

HC, BPD
Perímetro cefálico (HC) e diâmetro biparietal (BPD) fetais em ecografia abdominal

diâmetro biparietal (largura da cabeça), perímetro abdominal e comprimento do fémur. Estes parâmetros são usados em uma de dezenas de fórmulas publicadas (mais frequentemente uma de um autor chamado Hadlock) e o resultado é um valor estimado de peso. Este  resultado é naturalmente falível, e o erro associado pode ser verificado nos artigos escritos pelo próprio Hadlock:

  • Cerca de 68% dos fetos cairão dentro da estimativa +- 7,5% (1 erro padrão)
  • Cerca de 95% dos fetos cairão dentro da estimativa +- 15% (2 erros padrão)
erro ecográfico peso fetal
Exemplo de uma estimativa ecográfica do peso fetal de 3000g e representação do erro potencialmente associado

Como exemplo podemos considerar que, 68% das vezes, um recém nascido a quem foi estimado recentemente um peso de 3000g tenha entre 2750g e 3250g ao nascer. Esta diferença poderá chegar aos 450g em 27% adicionais e ultrapassar este valor em 5% dos fetos. Esta é a forma como funciona a fórmula, pelo que não é passível de melhoria, mesmo com muita experiência do ecografista. Vários autores propuseram outros métodos, mas sem melhoria significativa ou aplicabilidade prática.

Ainda assim, isto serve o seu propósito: é um parâmetro dos muitos a avaliar, e não um valor para interpretar cegamente.

O meu bebé tem uma doença por ser leve/pequeno?

Os seres humanos tem o crescimento fetal governado por vários fatores: sexo (rapazes são maiores); herança genética e raça; tamanho (e peso) da mãe; doenças da mãe; paridade (número de filhos anteriores); alimentação (de certa forma relacionada também com peso/obesidade); álcool e tabaco durante a gravidez (tabaco diminui o peso ao nascer em cerca de 5%); altitude (do local onde vive); etc.

Mesmo colhendo todos estes dados (e foram colhidos em vários estudos), é impossível prever o peso da criança. O que é possível é prever um âmbito (intervalo) onde é estatisticamente provável que se encontre esse peso.

Feitio ou defeito?

Todos os bebés têm um potencial de crescimento: um peso que, sem limitações externas, ambientais ou de doença, irão atingir. A dificuldade está em perceber que potencial é este para cada criança, algo que nos ilude enquanto médicos. Porque se trata de perceber que fetos/bebés estão mais pequenos do que deveriam estar, e, por isso mesmo, não se diagnostica só por um valor de peso. Um feto no percentil 1 pode ser perfeitamente saudável, e outro no percentil 50 ter um problema porque deveria manter crescimento no percentil 80 (ou seja, está a crescer “menos” do que deveria).

Fala-se em atraso do crescimento intra uterino, restrição do crescimento intra uterino ou restrição do crescimento fetal (RCF) quando o potencial de crescimento, segundo a interpretação do médico, não foi atingido. É algo que naturalmente assusta os pais e, infelizmente, causa muita angústia em gravidezes também de evolução normal, mas com fetos simplesmente mais pequenos que a maioria…

O que é o percentil

O percentil tem um significado puramente estatístico. O percentil 50, por exemplo, corresponde à mediana, que é o valor que está “no meio”, ou seja, divide a amostra com o mesmo número de indivíduos acima e abaixo desse valor. No caso do peso, aproxima-se bastante da média. Se dizemos que um feto está no percentil 20 do peso, constatamos que a posição numa amostra de fetos com a mesma idade gestacional o colocaria acima de cerca de 20% dos fetos e abaixo dos cerca de 80% restantes.

Portanto, este é apenas um valor estatístico para interpretar e ponderar, não algo com interpretação patológica direta.

Como interpretar o percentil de crescimento/peso fetal

Em muitos casos usa-se o percentil 10 para classificar fetos e bebés como leve para a idade gestacional. Pela descrição acima percebemos que isto significa que se decidiu, arbitrariamente, classificar 10% dos bebés como leves. São, de facto, os 10% mais leves. É também um grupo onde a probabilidade de patologia relacionada com o crescimento aumenta, pelo que faz sentido preocupar-mo-nos mais com esse grupo. No entanto, é importante sublinhar que a maioria (mais de 70%) dos bebés nesse grupo não têm nenhum tipo de problema. São, simplesmente… mais leves do que a maioria. Não podemos achar que 1 em cada 10 bebés tenha problemas!

Dentro das dificuldades já abordadas em definir qual o crescimento ideal para um determinado bebé, um valor arbitrário deste tipo (percentil 10, 5 ou 3) identifica um subconjunto de fetos que pode ser vantajoso avaliar com mais cuidado outros parâmetros ecográficos e/ou situação clínica da gravidez com maior pormenor, porque a probabilidade de doença é, apesar de tudo, maior.

O contexto clínico é de suma importância. Se, em avaliações ao longo do tempo, o percentil desce significativamente (“cruzar” percentis) é também necessária maior atenção, independentemente do percentil em que se encontre no momento. Por outro lado, uma gravidez de evolução normal numa mulher saudável com peso fetal mantido no percentil 5, sem outras alterações, poderá não suscitar cuidados diferentes.

Ainda que, habitualmente, causem maior angústia os pequeninos, o percentil muito grande também está a associado, em alguns casos, a patologia, pelo que os bebés macrossómicos (pesados para a idade gestacional, habitualmente classificados acima do percentil 90) devem suscitar igualmente dúvidas a esclarecer. Culturalmente gostamos de bebés gordinhos, mas isto é também um problema.

A vantagem das curvas nacionais

Agora percebemos que com os percentis pretendemos identificar uma posição específica no universo de indivíduos com as mesmas características e depois interpretá-la, cuidadosamente, no contexto clínico.

A vantagem das curvas nacionais é que o valor que escolhemos é realmente o que encontraremos. Isto é, dado que foram construídas com dados de bebés portugueses, se escolhermos o percentil 5 iremos encontrar sensivelmente 5% dos bebés de um hospital, por exemplo. Outras curvas apresentam valores por vezes muito diferentes, pelo que, em vez de 5% poderemos estar a identificar 2% dos bebés, ou 10%. No primeiro caso, não estaremos a atuar (se for esse o caso) nos 3% de bebés que não foram identificados; no segundo caso, poderemos estar a atuar em situações em que não pretendíamos fazer.

Se queremos o percentil x, temos de ter x%. As curvas nacionais é isso que providenciam.

Para saber mais

Pode consultar o website do artigo: fetalgrowth.med.up.pt 

Aqui pode fazer o download das curvas em .pdf: curvas para a população Portuguesa (não esquecer que a interpretação deve ser feita por médicos)